No mar com leões
- Leandro Cagiano
- 8 de jul.
- 5 min de leitura
Uma incrível e inusitada experiência de estar entre os gigantes e gentis leões marinhos que migram todos os anos para o litoral gaúcho.

Quando pensamos em grandes mamíferos, logo nos vem a imagem de elefantes, girafas, baleias, leões… talvez até ursos. Mas dificilmente nos recordamos dos leões marinhos. Estes animais impressionantes podem chegar a 400 quilos e medir até 2,60 metros da cabeça à cauda. Fora da água, quando erguidos, alcançam cerca de 1,80 metro de altura. Apesar de seu porte, permanecem em grande parte fora de nossas associações com mega fauna. Talvez porque vivam em regiões próximas aos polos, onde o mar é mais gelado e a presença humana escassa.
No Atlântico Sul, as colônias reprodutivas de leões marinhos concentram-se na costa da Argentina e do Uruguai. Contudo, é no litoral brasileiro, exclusivamente no Rio Grande do Sul, que ocorre um fenômeno singular: a migração anual de machos para as áreas costeiras. Esse movimento acontece após a temporada de reprodução, justamente durante o verão. Enquanto as fêmeas permanecem nas colônias cuidando dos filhotes, os machos viajam para áreas menos competitivas em busca de tranquilidade e alimento. Afinal, o período reprodutivo é marcado por disputas violentas, e o litoral gaúcho oferece refúgio longe dessas tensões. Foi nesse contexto que começou minha jornada para documentar a história desses gigantes.

Uma jornada pelos molhes de Rio Grande
Depois de muitas conversas com pesquisadores gaúchos, era hora de partir para o campo. Iniciamos a expedição no Chuí, na fronteira do Uruguai com o Brasil, e seguimos até os molhes do Porto de Rio Grande. Essa estrutura, projetada para proteger os navios que entram e saem da Lagoa dos Patos, tornou-se o principal refúgio dos leões marinhos no Brasil. Curiosamente, os animais escolhem sempre o mesmo ponto na ponta mais afastada do quebra-mar, quase quatro quilômetros mar adentro. Ali, eles encontram um raro exemplo de interferência humana que funciona a favor da vida selvagem.



Passei dias e até uma noite inteira ao lado dessas enormes e barulhentas criaturas. Durante a madrugada, seus roncos profundos e rugidos constantes criavam uma sinfonia peculiar. O odor forte, consequência da alta densidade de ocupantes no local, fazia meu nariz escorrer sem parar. Mas nada disso diminuía o privilégio de estar tão próximo. Apesar de seu porte impressionante e longos caninos, os leões marinhos são incrivelmente cautelosos em terra. Sua locomoção desajeitada os torna vulneráveis, o que explica sua postura geralmente pacífica.

Uma manhã, um deles despertou enquanto eu fotografava. Assustado com minha presença, atirou-se do topo dos molhes rolando para baixo. Por alguns segundos, temi ter causado um acidente fatal. Felizmente, os tetrapodes roliços permitiram a ele chegar à margem sem ferimentos. Em um breve respiro, ele se ajeitou de qualquer forma e mergulhou, aliviado. Dentro do mar, esses animais revelam toda a sua agilidade e confiança, contrastando com a fragilidade que demonstram em terra.

Com uma visão limitada, os leões marinhos dependem muito de suas vibrissas – bigodes incrivelmente sensíveis que detectam movimentos e objetos ao seu redor. Essa sensibilidade, aliada à curiosidade natural e a confiança quando estão na água fez com que muitos deles se aproximassem de mim quando experimentei fotografar de dentro da água.
Chegavam tão perto que dificultavam meus movimentos. Algumas vezes, sem enxergar nada o que acontecia sob a água densamente escura, era surpreendido com um focinho atrás de mim, praticamente no meu pescoço. Uma experiência ao mesmo tempo fascinante e desafiadora. Foi suficiente para entender que eles não me fariam mal. Eu era um intruso maluco no ambiente deles.

Mais ao norte do estado, em Torres, a Ilha dos Lobos é o segundo refúgio anual dos leões. Mas ali as aproximação não foram tão fáceis quanto em Rio Grande. Ao redor da ilha, formam-se enormes ondas. Fotografar do barco com uma lente longa era impossível. Ora a embarcação estava no alto, ora estava em baixo. Um movimento interminável. Impossível de fotografar. A solução era descer do barco e me tentar chegar na ilha a nado. A dica era nadar algo em torno de 30 metros até as ondas que tinham no mínimo 2 metros. Elas me jogariam para dentro da laje de pedra coberta por cracas, ouriços e mexilhões.
A ideia parecia péssima. E foi. Por sorte, a espessa roupa de borracha protegeu meu braço, mas as mão acabaram com algumas escoriações e um ou espinho.
Com uma chegada tão atabalhoada, os leões logo notaram a minha presença. Vale lembrar que eles não são habilidosos fora da água, logo, se jogaram no mar do outro lado daquela pequena rocha exposta na linha da água. Mesmo me escondendo atrás de uma pedra um pouco mais alta, eles não estavam dispostos a retornar.
O tempo começava a fechar. No mar, o piloto, preocupado com o clima ruim que se aproximava e com a nossa segurança, sinalizava o retorno. Uma hora havia se passado e agora era preciso nadar contra as enormes ondas. Os leões, curiosos, formaram uma extensa linha atrás da rebentação, onde o mar era mais calmo, e me assistiam com que não entende tanta dificuldade. Ao passar o trecho mais difícil, segui nadando. O macho alfa, com uma cabeça enorme, parecia não querer arredar pé da minha frente, mas eu não tinha escolha. Já não dava para voltar. Era o meio do caminho até o barco. A cada braçada eu sentia que estávamos desafiando um ao outro para ver que desistiria primeiro. Segui enfrente até que ele, a menos de duas braçada, mergulhou. Dessa vez a água estava clara e eu o pude ver passar por baixo de mim me olhando. Para não deixar por menos, largou uma nadadeira em meus ombros enquanto tomava impulso. Foi como um tapa. Subi a bordo e não o vi mais. Nos dias seguinte o tempo fechou e a melhora era imprevisível. Não voltei mais à Ilha dos Lobos.

Focas, morsas, leões, elefantes e lobos marinhos já figuraram entre os animais mais caçados do planeta por conta de suas peles e gorduras. Um comércio extremamente lucrativo que quase levou esses animais à extinção. Espalhando-se pelas colônias, caçadores abatiam animais a paulada para não danificar as peles e só deixavam o local quando não houvesse mais nenhum vivo. Em alguns lugares, as populações foram dizimadas e o comércio global só entrou em declínio quando esses mamíferos já eram difíceis de encontrar. Ainda hoje, alguns países do hemisfério Norte e o Japão continuam caçando focas. Felizmente, a quase a totalidade dos países onde há presença dessas espécies, a caça foi proibida. Hoje, o maior desafio desse animais é enfrentar as redes de pesca e o lixo marinho. Ambos causam uma grande mortalidade de leões. Mais um desafio da humanidade que precisa ser superado em sua evolução nesse planeta. Para os leões, com uma capacidade de aprendizado melhor que a do ser humano, espero que consigam entender rapidamente que as redes arrastadas no mar e recheadas com toneladas de peixes são um perigo vital e que eles precisam aprender a não cair na armadilha.
Espero revê-los em breve!
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