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APRENDENDO COM AS ZEBRAS

  • Foto do escritor: Leandro Cagiano
    Leandro Cagiano
  • 9 de mar. de 2021
  • 4 min de leitura

Atualizado: 25 de jul.


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Em uma expedição de quatro dias na natureza com a Outward Bound Brasil,

adolescentes da APAE de São Paulo foram expostos a um desafio físico e mental jamais imaginado por eles. Longe do cuidado e proteção dos pais, eles foram estimulados a resolverem de maneira autônoma suas atividades e dificuldades.


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A CIVILIZAÇÃO é resultado do processo evolutivo da humanidade em busca de abrigo e conforto. Perseguindo esse instinto de sobrevivência nos separamos litigiosamente da natureza para nos escondermos em nossas próprias cavernas artificiais, perdendo por completo a capacidade de lidar com ambientes selvagens. Nesse percurso, em que, cada vez mais, erguemos muros e grades, acabamos por cercear nossa própria liberdade.

Já a zebra, mesmo vivendo num dos ambientes mais inóspitos e perigosos que existe, consome sua grama sem qualquer preocupação antecipada e preventiva com relação aos leões e outras ameaças.


Distantes da selva, abrigados em nossos castelos, criamos nossas proles bem longe dos perigos naturais. Para melhorar nosso conforto, inventamos as escadas, as tomadas elétricas, os ferros de passar, os produtos de limpeza, os carros... E assim, reconfiguramos nossa preocupação por novos elementos, permanecendo atentos a todos os gestos das crianças que possam colocá-las em risco.

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Já a zebra cria seu filhote em grupo. Tranquila, forrageia a savana sabendo que se nenhum dos indivíduos sinalizar estado de alerta, tudo continuará bem. Caso contrário, ela passará, só então, a se preocupar com a segurança do filhote.


Mas nós não somos zebras e não temos essa serenidade. Somos criados sempre à sombra de adultos vigilantes. Ao passo em que crescemos, podemos ser autorizados ou tolhidos a resolvermos os nossos próprios dilemas. Porém, em geral, os pais de concreto cercam seus descendentes sob a desconfiança da autonomia e destreza. Ainda que de maneira inconsciente, uma vez que a intenção do cuidado sempre é a melhor. E não se trata de uma questão de autoridade e imposição de limites, ainda que elas também sejam importantes para gerar confiança e independência nos pequenos.


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O ponto em questão é que uma criança superprotegida pelos pais não experimenta a oportunidade de errar ou, ao menos, essa experiência é amplamente reduzida. Terreno fértil para o crescimento de um ser inseguro.


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As zebras são como os humanos, transmitem a seus filhotes seus aprendizados, entre eles, que o perigo deve ser temido, a fim de preservá-los de um ato estúpido e mortal. O que os pais não ensinam é a diferença entre ter medo do perigo e ser inseguro. Esse último, pode estar diretamente relacionado com a forma de criação e o ambiente de crescimento.



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Tantos as zebras quanto os seres humanos, por serem mamíferos, passam pelo período de gestação dentro do útero materno. É através da mãe que nós e os filhotes de zebra temos o primeiro contato com o mundo, somos alimentados e protegido em nossos primeiros meses. No caso do filhote de zebra, logo depois de nascer ele tem que se levantar e andar para não virar comida de leão. Nós, para nos desprendermos do seio seguro, precisamos de muito mais tempo antes de caminhar mundo afora. Mas para as mães humanas, que têm laços muito tesos de ligação com a cria, caberá sempre a função de proteger e alimentar. O que pode ser um problema para o desenvolvimento desse novo ser.

É então que, ao menos aos seres humanos, entra uma figura de extrema importância, o pai.


Para o psicólogo inglês Donald Winnicott, o pai tem um papel fundamental no desenvolvimento da criança: o de apresentá-la ao mundo. O bebê enxerga na figura paterna um novo universo de possibilidades para se descobrir com segurança.

Nesse quesito, a diferença entre o pai e a mãe está no julgamento do perigo. Em uma atividade exclusivamente paterna, a criança experimenta novas possibilidades. Não se trata de gestos irresponsáveis, mas de avaliações distintas sobre o que configura ou não um potencial risco, e quanto uma circunstância desafiadora pode ser estimulante para o desenvolvimento da criança.


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Com um ambiente saudável entre e pai e mãe, a criança e o filhote de zebra podem correr livres na natureza, sabendo que devem se preocupar apenas com o medo real. E caso ele se apresente, poderão correr de volta para a proteção materna.

Muito embora Winnicott tenha uma boa explicação para nosso comportamento, a vida é muito mais complexa. O papel dos pais pode se perder em meio de tormentas que desabem sobre a família e prejudiquem seus alicerces , comprometendo o desenvolvimento e bem-estar da cria na construção da autoestima.


Filhos não são zebras, tampouco têm a capacidade de se levantar e andar logo após o parto, mas precisam, fundamentalmente, de estimulo para se tornarem adultos seguros e confiantes. Para isso, precisam de pais e mães que lhes propiciem um ambiente saudável, agindo, cada um no seu papel, para o crescimento de seus descendentes.

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Já as zebras nunca leram e nem ouviram falar dos estudos de Winnicott. E até por sua condição selvagem, não têm outra maneira de criar seus filhotes que não seja em liberdade na natureza, por mais bruta e perigosa que ela seja, apostando sempre na capacidade de autonomia da cria à medida em que ela cresce.


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Soltar as crianças na natureza acreditando no potencial individual de cada uma delas pode ser uma tarefa difícil, desafio ainda maior em se tratando de pais de crianças e jovens com necessidades especiais. Por isso foi tão marcante participar de uma expedição de quatro dias na natureza com adolescentes da APAE de São Paulo junto com a Outward Bound Brasil. Ao longo dos dias de convívio, pude testemunhar as angústias e prazeres desses jovens. Mas o que mais me marcou foi a expressão de ansiedade dos pais em dois momentos: na ida, ao me fitarem com olhares analíticos e inquisitivos. E na volta, quando fui o primeiro a sair do ônibus, com suas miradas suplicantes por notícias boas que apaziguassem seus corações aflitos.

O custo emocional de suplantar a garantir de segurança pela convicção da importância em estimular-lhes autonomia certamente foi recompensador: era nítida a gratidão dos adolescentes em conquistarem por si próprios mais autoconfiança e experimentar um pouco da liberdade selvagem que, assim como para os filhotes zebra, deveria ser mais natural.


Veja mais imagens da expedição aqui.





 
 
 

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